quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

A hipocrisia da verdade



                          (Artigo publicado originalmente no Jornal Relevo - Janeiro 2014)
 
Durante o ano de 2013 ocupei meu singelo espaço neste bravo periódico resenhando escritores curitibanos (ou residentes em Curitiba) que não estão em evidência na mídia. Vários deles são meus amigos pessoais, o que nunca me impediu de aplaudir os acertos nem apontar as falhas. Dilema moral já apontado pelo heterônimo Álvaro de Campos ao se referir ao ortônimo Pessoa: “Sou demasiado amigo de Fernando Pessoa para dizer bem dele sem me sentir mal: a verdade é uma das piores hipocrisias a que a amizade obriga”.

Neste primeiro texto de 2014 é com a consciência tranquila (diferente de Álvaro de Campos) que falo bem da Antologia novos autores curitibanos: 60 crônicas, poesias, contos, publicada pela Gusto Editorial. A antologia é o resultado de um concurso literário organizado pelos curadores do Festival Literário Litercultura, que selecionou vinte poemas, vinte contos e vinte crônicas.

A coletânea como um todo, diferente do que apontaram os organizadores na apresentação do livro, não é um volume “quase homogêneo”. Há textos de escritores já experientes, com obras publicadas e em contrapartida também há textos de iniciantes, alguns muito juvenis, principalmente na seção de poesia. A antologia peca nesse aspecto, pois não segue um padrão de qualidade do início ao fim. Porém a iniciativa é mais que válida, pois serve como um sopro de entusiasmo à escrita que todos iniciantes precisam.

O que a antologia apresenta de melhor é a seção de crônicas, mostrando ótimos cronistas que acertaram a mão em reflexões cotidianas das mais variadas. A começar pela bela crônica Arte sem intelecto, do jovem Gustavo Moreira, na qual discorre sobre os tortuosos e sombrios caminhos da arte contemporânea e sua permanência em uma sociedade apática, fútil e rasa. Texto escrito com vigor, mostrando um jovem talentoso e preocupado com questões estéticas relevantes.

Outra crônica que vale ressaltar é Machado VS. Nietzshe, do grande poeta Renato Vieira Ostrowski. A crônica de Ostrowski nos mostra uma situação que é familiar a muitos: os embates com a burocracia de uma repartição pública. Há fila pra tudo, o tempo parece não passar e a má vontade dos funcionários é evidente. O narrador “vítima” só se conforta com um volume de Ferreira Gullar que carrega em baixo do braço. E conforme a manhã vai passando ele procura observar o que os outros estão lendo naquele momento. É uma atividade curiosa e perturbadora ao mesmo tempo.

Ostrowski mostra em Machado VS. Nietzshe que além de grande poeta é um grande cronista. Em conversa recente com Renato disse que ele é conciso, direto e preciso como um Moacyr Scliar e erudito como um Nelson Rodrigues. Agradável surpresa.

A seção de contos é bastante heterogênea. Há textos muito bons e outros irrelevantes. Um dos contos que merece destaque é Entremares, de Eliege Pepler. Temos uma narradora em primeira pessoa que relembra acontecimentos de seu passado. Em alguns momentos o tom memorialístico de Eliege lembra Inês Pedrosa, com um certo grau de erotismo.

A Antologia Novos Autores Curitibanos: 60 crônicas, poesias, contos tem um saldo positivo. Mesmo havendo muitos textos de autores imaturos, a antologia deve servir como um estímulo aos iniciantes para continuar escrevendo e aprimorar questões de técnica e estilo que só vêm com o tempo. Aos experientes e às exceções da regra, Evoé!

De volta às estantes



(Artigo publicado originalmente no Jornal Relevo - Dezembro 2013. Posteriormente publicado na Revista Bem Público - Janeiro 2014)
 
O mercado editorial curitibano é praticamente irrelevante no cenário nacional mas está crescendo. Mesmo que ainda seja bastante restrito a autores paranaenses não muito conhecidos fora do estado, é um mercado em ascensão. Há alguns anos havia duas possibilidades para escritores iniciantes ou pouco conhecidos: bancar suas edições ou submetê-las a editoras maiores de outros estados.

A primeira opção era a mais certa, mesmo porque as editoras consagradas raramente arriscavam publicar alguém desconhecido nacionalmente. Ainda hoje funciona dessa forma hoje em dia, mas a diferença é que pequenas editoras foram surgindo ao longo dos anos, o que serve de vitrine para escritores ainda anônimos. Há também algumas leis que incentivam à cultura, as quais subsidiam publicações que editoras convencionais normalmente não publicariam.

Paulo Leminski (1944 – 1989) um dos maiores poetas curitibanos, bancou suas primeiras edições. Catatau (1975), seu primeiro romance, só foi editado porque Leminski foi persistente e também contou com a ajuda financeira de amigos. Atualmente há algumas editoras que publicam a obra de Leminski, como a Iluminuras e a Companhia das Letras, gigante no cenário nacional, ambas de São Paulo.

Jamil Snege (1939 – 2003), outro grande escritor curitibano, por motivos familiares ainda não teve sua obra reeditada. Escritor curitibano dos mais originais e atualmente fora de catálogo, Snege impressiona muito por seu deboche e cinismo. Sua escrita é aparentemente leve e acessível sem medo de ser simples. Snege não poupava ninguém de seu olhar crítico e irônico (nem si próprio) e seu humor era bastante ácido. Mas por algum motivo ainda não despertou interesse das grandes editoras brasileiras. Snege, assim como Paulo Leminski, publicou por conta própria seus primeiros livros. Em Curitiba a Editora Travessa dos Editores publicou parte de seus livros.

Duas recentes editoras de Curitiba, Kafka e Arte e Letra, estão reeditando a obra do escritor catarinense Manoel Carlos Karam. Figura conhecida nos meios literários curitibanos, Karam se mudou para a capital paranaense em 1966 e aqui permaneceu até morrer, em 2007. Deixou uma obra vasta e original, mas assim como a obra de Jamil Snege, pouco conhecida.

Seus romances O Impostor no Baile de Máscaras, Fontes Murmurantes e Cebola foram reeditados pela Kafka. Já os romances Comendo Bolacha Maria no dia de são nunca e Pescoço ladeado por parafusos foram reeditados pela editora Arte e Letra.

Karam e Snege são muito comparados não apenas pelo modo como viveram e pelos meios que frequentaram, mas pelo próprio estilo literário de cada um. Karam pendia mais para um humor reflexivo não se dirigindo especificamente a ninguém, mas à condição humana como um todo.

Snege, assim como Karam, é um dos grandes escritores curitibanos que não tiveram seu devido mérito reconhecido em vida. Foram verdadeiros escritores de vanguarda em vida e continuam sendo postumamente. A obra de Paulo Leminski esperou 24 anos para ser reconhecida de forma mais expressiva nacionalmente por público e crítica. Esperamos que Jamil Snege e Manoel Carlos Karam levem menos tempo.
 

ESTRELA DIFUSA

  O tempo é o fator que talvez possa explicar melhor algumas coisas que simplesmente não escolhemos; ou melhor, insistimos em dizer que não ...