domingo, 22 de março de 2015

A capital dos efêmeros

(Artigo publicado originalmente no Jornal Relevo - Novembro 2014) 

Certa vez, ainda durante a graduação, um professor afirmou que Curitiba era a capital dos contistas. Muito devido a Dalton, pois o vampiro era e continua sendo um mestre que influencia e habita o imaginário coletivo da província, mas o professor também atribuía aos novatos, baseado em suas leituras de contistas mais novos, certo medo de se aventurarem na narrativa mais longa.

Discordando um tanto do professor, me deparo com frequência com contistas que não parecem, de forma alguma, serem temerosos em partir para narrativas mais longas, densas ou complexas, mesmo porque narrativa longa não é sinônimo de densidade ou complexidade. Vários dos bons contistas curitibanos (ou que produzem aqui) se aventuram nesse gênero ingrato por terem certo domínio da técnica da narrativa mais concisa. Bons exemplos de uma safra nova e muitíssimo competente de contistas são nomes como Rui Werneck de Capistrano, ReNato Bettencourt Gomes, Paulo Sandrini, Severo Brudzinski, Homero Gomes e vários outros.

Naturalmente às vezes criamos expectativas demais e nos decepcionamos com alguns escritores, caso de Márcio Renato dos Santos. Curitibano, nascido em 1974, Márcio Renato dos Santos é jornalista e mestre em Estudos Literários pela UFPR. Publicou seu primeiro trabalho de ficção em 2010, o belo livro de contos Minda-Au (Record, 2010. 80 págs.) Seu trabalho como contista nesse primeiro livro é bastante interessante, mostra um escritor preocupado com a forma e cuidadoso em não soar pseudo-experimental.

Já em seu livro Golegolegolegolegah! (Travessa dos Editores. 2013, 72 p.), Márcio Renato dos Santos deixa a desejar. O breve volume é composto por seis contos que são bastante ágeis, o que torna sua leitura fácil, mas enfadonha. Há durante todo o livro uma necessidade de soar como um autor pós-moderno, nonsense, o que depõe contra o livro como um todo, pois tudo é muito forçado, engessado, repleto de amarras estilísticas que se perdem no vácuo deixado pelo autor.

No conto Você tem à disposição todas cores, mas pode escolher o azul, o narrador assume um tom confessional, ele narra o que vê da maneira que bem entende para um possível interlocutor. Há abertamente a questão da metalinguagem, o que por vezes salva um ou outro fragmento. A coloquialidade é uma constante em vários contos, o que a princípio começa bem, mas depois torna-se cansativa e um tanto forçada.

A questão do distanciamento entre as pessoas, da ausência de comunicação na era moderna são motes dos contos como se fossem vozes que permeiam toda a obra. O conto Digital reverb delay é um dos bons contos do livro, digno do autor de Minda-Au. Nesse texto o narrador tem consciência de sua limitação como pessoa e de sua impossibilidade em se comunicar.

Mas, tenho de admitir, o que sempre me deixou calado foi a sensação de que eu nunca tive nem tenho nada a dizer, nem como dizer e, por isso, não precisava falar. Afinal, a gente abre a boca pra dizer as coisas, não é? Como nunca tive nada a dizer, minha opção sempre foi pelo silêncio.  (p.32)

O narrador admite não ter absolutamente nada a falar, e esse nada o representa. Há um embate existencial bastante significativo nesse conto.  

O conto que segue, Nevoeiro, é o mais relevante do livro. Nesse conto há a constatação do narrador de encontrar-se consigo próprio em todo lugar. A questão da empatia aparece aqui como uma espécie de antídoto contra a incomunicabilidade entre as pessoas. A predominância do plano onírico se sobressai ao plano real, dando a entender que o indivíduo apenas sonha em se comunicar, em sair de sua redoma imaginária, e não age por medo ou por algum motivo qualquer. O narrador diz não saber se sonha ou se de fato aconteceram as ações que narra.

Também parei de sonhar. O intervalo entre deitar na cama e acordar no dia seguinte era preenchido sabe-se lá com o quê. Eu não tinha mais insônia. Nem sonhos. (p.48)

A atmosfera onírica confere ao conto uma densidade ainda não experimentada nos contos anteriores. O grau de sugestão (as ações são sugeridas) são bastante relevantes para a composição da narrativa.  

Os dois últimos contos do volume, Zé Ruela e Cento e noventa, não se diferenciam muito dos primeiros, ou seja, nada muito relevante na forma nem no conteúdo, o que, até certo ponto, é um aspecto positivo, pois Márcio Renato dos Santos não é um escritor conteudista.

Um aspecto bastante relevante do livro é seu projeto gráfico, que é belíssimo. Aliás, é praxe da Travessa dos Editores fazer ótimos projetos gráficos. O livro é composto por belas ilustrações de Marciel Conrado. Mesmo que Golegolegolegolegah! apresente mais erros do que acertos, Márcio Renato dos Santos é um dos contistas relevantes da nova geração da literatura brasileira.    

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