domingo, 22 de março de 2015

A CENA

* Por Mateus Senna
 
Em pleno mês de Março, Renatinho, sentado na banqueta mole de madeira molhada, contemplava os Santos da capelinha do botequeiro. “Ora bosta de Santos: Expedito, burro; Francisco, pobre; Benedito, preto! Cadê a porra do São Renato?”. Gole em pinga. Gole em cachaça. Golegolegole na gasolina do posto da esquina. Passa pra lá! Gritava o frentista. Bêbado maldito! Dizia o mendigo. “Sou o rei, o Rei Nato!”. Fechava Março com aguardentes, queimando o resto de verão. No passo torto deslizou o calçadão da rua XV; tropeçou no caminho dos cegos, caiu no chafariz, vomitou nalguns orelhões e urinou no chapéu da estátua prateada.  Avistou uma biblioteca. “Palácio de Rei Nato! Aí hei de ser”, abriu alas frente aos seguranças, entrou pelo lado da saída, fazendo o alarme anti-furto apitar, “Quem ousa roubar meus livros? Cobro no mínimo R$2,99 por essas pérolas!”. Senhor, retire-se. Pedia o segurança. “Seu cu, ó servo!”. Senhor, por favor. “Mete-te em teu lugar, vassalo insolente, há de se ver com minha justiça caso a mim se dirija novamente”. Pois bem. Um usuário irritado, brabo de tanto ler, pegou dom Rei Nato pelo colarinho, encaminhou-lhe porta a fora; um pontapé, soco na boca do estômago, cuspe bem dado na cara, recitou Batatinha quando nasce/ esparrama pelo chão/ o ébrio ego do tolo Santo Rei deposto. Profano bobo-da-corte.
 
*Mateus Senna é curitibano. Escritor e professor, já publicou nos periódicos Relevo e Flaubert.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

ESTRELA DIFUSA

  O tempo é o fator que talvez possa explicar melhor algumas coisas que simplesmente não escolhemos; ou melhor, insistimos em dizer que não ...