domingo, 22 de março de 2015

Jaboc: labirintos narrativos


                      (Artigo publicado originalmente no Jornal Relevo - Dezembro 2014)
 
Escrever sobre o ato de escrever não é novo nem original na ficção, mas tema recorrente abordado por diversos escritores. João Cabral de Melo Neto, Drummond, Vergílio Ferreira, Cristóvão Tezza, Cezar Tridapalli se ocuparam, em algum momento de suas respectivas produções literárias, com a metalinguagem. Escrever sobre o ato de escrever parece não interessar tanto um público não afeiçoado à literatura mais elaborada, pensada, com enigmas deixados para o leitor, mas mesmo assim foi tema bastante explorado por autores diversos.

Para ficar em nossas paragens, fora os já citados Tezza e Tridapalli, Otto Leopoldo Winck é um dos escritores que se ocupou com a metaliteratura no belo Jaboc (Garamond, 317 pag.), romance de 2006 que só agora descubro. Otto Leopoldo Winck nasceu no Rio de Janeiro, em 1967. Winck vive em Curitiba desde anos 80. É doutor em estudos Literários pela UFPR e professor de literatura na PUCPR. É poeta, contista e romancista.

Joboc, seu primeiro romance, narra as desventuras de um professor universitário que, em meio a leituras de Fernando Pessoa e muito blues de Muddy Waters, Robert Johnson, Jimmi Hendrix e tantos outros, está escrevendo um romance, e esse processo de escrita é repleto de percalços, sofrimento e muito álcool. O livro que o protagonista escreve é sobre um homem que está escrevendo um livro, técnica denominada de mise en abyme, história dentro da história.

Durante toda a narrativa há referências sugeridas, mas facilmente identificáveis, a Curitiba e à cena literária local, com suas batalhas de ego de escritores provincianos, com suas pequenezas e idiossincrasias. É interessante ressaltar que Winck critica essas pequenezas literárias à distância, através de seu personagem, o que lhe confere certo distanciamento ao apontar as mazelas e mesquinharias literárias de um meio pretensamente erudito, mas que ao ser ironizado, nada mais é do que um desfile de escritores blasé que buscam, desesperadamente, terem mais relevância do que suas próprias obras.

Conforme a ação vai transcorrendo, o protagonista vai sofrendo uma espécie de mutação em seu modo de agir, pensar, escrever. De acadêmico de reputação ilibada, trabalhador assíduo e bem quisto no departamento de letras de uma universidade particular a funcionário relapso, mal vestido, deprimido, beberrão e imerso no seu projeto particular de escrever um livro a qualquer preço. Somada a frustrações profissionais, há também uma iminente crise temporal, pois sente-se velho e já impossibilitado de relacionar-se como era no passado. O símbolo disso é a relação que inicia com Virgínia, sua aluna do primeiro ano de Letras, linda e transbordando juventude, como se fosse seu nêmesis.

Uma das chaves (ou dicas sutilmente deixadas por Winck) para a compreensão do romance é seu título, que é uma alusão a Jacó, personagem do antigo testamento que em uma luta com um anjo misterioso muda completamente seu modo de agir se rendendo ao chamado divino, o que é uma bela metáfora ao fazer literário, pois simboliza a imagem do escritor em uma batalha feroz com as palavras. Se o escritor se rende ou não, não é relevante, mas sua forma de buscar seu momento nevrálgico é o que vale no fim.
 
A questão de sempre estar fazendo a mesma coisa sem ter resultados é bastante evidente no romance, sendo simbolizado pelo mito de Sísifo, que segundo a mitologia grega, levava uma enorme pedra ao alto de uma montanha. A pedra rolava para baixo e Sísifo a levava para o alto da montanha novamente e assim sucessivamente, sem nunca acabar. Portanto, a batalha do protagonista com as palavras e com o fazer literário é simbolizada pelos mitos de Jacó (hebraico) e Sísifo (grego).

Jaboc é o romance de estreia de Otto Leopoldo Winck e no ano de seu lançamento, 2006, venceu o Prêmio Nacional de Literatura Academia de Letras da Bahia. Com domínio da técnica narrativa e com repertório teórico bastante vasto, ao qual Winck recorre com frequência durante todo livro, Jaboc em momento algum é enfadonho ou soa pretensioso, pelo contrário, é ágil e a leitura flui do início ao fim. Winck acertou a pena neste seu primeiro romance e espero que Jaboc não tenha sugado toda sua energia.

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